Francis Ricken*


O bloqueio do uso do Telegram por decisão do Supremo Tribunal Federal chamou muita atenção, não só dos usuários da plataforma, mas também do mundo político. O Telegram tem no Brasil um dos maiores públicos de usuários mundiais, em torno de 40 milhões de contas, algo que impacta e muito a empresa, que, segundo seu idealizador, ainda não tem sustentabilidade financeira. A plataforma ficou mundialmente conhecida por garantir proteção de dados e liberdade irrestrita para qualquer atividade, algo que chama atenção em um ambiente cada vez mais on-line e abre brechas para atividades ilícitas e pouco republicanas.

A decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes pelo bloqueio do mecanismo, após inúmeras tentativas de contato com a plataforma, foi atípica e por muitos considerada excessiva, já que o Telegram não vive somente de atividades ilícitas, nem toda pessoa que usa o aplicativo está com objetivos escusos, entretanto, a tomada de decisão de Moraes atingiu em cheio a alta cúpula da empresa que cedeu às manifestações do Supremo cumprindo de forma integral as solicitações, inclusive indicando representante legal da empresa no Brasil, algo bem fora dos parâmetros para uma instituição que se gaba de ser uma plataforma insubordinada em âmbito mundial. O reflexo da decisão do STF pode mudar, e muito, a perspectiva de como se usa a plataforma no mundo, gerando impactos positivos para o combate das fake news, e fazendo com que outros países façam o mesmo e controlem um ambiente quase selvagem às regulamentações. O bloqueio do aplicativo no Brasil veio muito próximo de decisão semelhante realizada na Alemanha, onde a plataforma teve que ceder após uma série de ameaças a líderes do governo alemão e ao chanceler realizadas por meio do Telegram, que geraram protestos violentos e, em consequência, medidas restritivas das autoridades alemãs.

Se a empresa cumprir as ordens do STF de maneira efetiva, vai ter de realizar o controle diário de temas sensíveis, criar um programa de identificação de fake news e bloquear perfis ilícitos e hostis à ordem constitucional, uma situação ainda mais severa do que as implementadas pela plataforma concorrente, o WhatsApp. A cartada do ministro Alexandre de Moraes foi um blefe muito bem dado, que gerou resultados inesperados e positivos para transformar o Telegrama em uma plataforma mais leal.

E como isso pode influenciar as eleições de 2022? Assim como no mundo real, na política, a internet e todas as suas ferramentas mudaram a forma com a qual vemos o mundo. Hoje seria impensável imaginar uma realidade sem o surgimento do mundo on-line, e na política isso não seria diferente. Vide a eleição presidencial de 2018, em que um candidato inimaginável vence o processo eleitoral e seus adversários tradicionais com o uso contestável, mas efetivo, de ferramentas digitais.

O mais curioso em todo esse processo de bloqueio e desbloqueio da plataforma foi a manifestação do presidente da República sobre a decisão do STF. Segundo Bolsonaro, a medida foi uma perseguição à sua candidatura de reeleição, e a figura do ministro Alexandre de Moraes foi colocada em xeque pelo presidente. A fala tem uma confissão de culpa do candidato, afinal, medidas implementadas pelo Telegram buscando a restrição de fake news, são consideradas danosas à sua campanha eleitoral. Nada mais emblemático para um presidente mundialmente conhecido por “inventar” realidades paralelas.

A decisão do STF em criar um ambiente mais amistoso durante o processo eleitoral antes das eleições, como foi o caso do bloqueio do Telegram, estabelece a postura que as autoridades terão nas eleições de 2022. Antes pegas de surpresa, elas não farão corpo mole para situações relacionadas às fake news, aos financiamentos ilícitos e à utilização de plataformas que vivem à revelia da lei. O ministro Alexandre de Moraes, futuro presidente do TSE, não pretende permitir atitudes que fujam da lisura do processo eleitoral, e o cartão de visitas foi dado. Acredito que podemos esperar uma eleição muito quente, mas o STF e o TSE são categóricos: não vão permitir o uso ilícito de ferramentas on-line nas eleições de 2022.

*Francis Ricken é advogado, mestre em Ciência Política e professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).