Por Flávio Christensen Nobre
As
dívidas podem se tornar uma “bola de neve”. Um empréstimo para pagar uma conta
já atrasada, o uso do cartão de crédito para tentar acertar dívidas mais
antigas e pronto: o consumidor já não consegue mais pagar nada. E quando esse
montante devido ultrapassa a remuneração daquele indivíduo, se caracteriza o
superendividamento. Com o objetivo de melhor essa situação e minimizar a
inadimplência, foi criada a Lei do Superendividamento, de número14.181/21. Por
mais que ela possa ser benéfica, alguns pontos devem ser analisados.
É
fundamental que esse assunto seja colocado em pauta e que uma lei específica
para os inadimplentes tenha sido criada. Para se ter uma ideia, somente até o
ano passado, 72,5 milhões brasileiros estavam negativados no Serasa.
Muito
disso acontece porque as pessoas encontram uma certa facilidade na hora de
conseguir obter crédito e, mais do que ajudar, isso atrapalha. Elas acabam
consumindo muito mais do que a capacidade de pagamento e gastam de uma maneira
desorientada. Isso, claro, também causa um problema para as instituições, que
não recebem o pagamento.
Então, a
Lei acaba sendo benéfica para os dois lados: para quem, finalmente, conseguirá
pagar e para as empresas que receberão o dinheiro. Com a negociação dando
certo, o benefício reflete no mercado de um modo geral, até porque os
consumidores poderão voltar a gastar quando terminarem de pagar a dívida.
Mas, para
que isso funcione, é necessário que todos os pontos da lei sejam muito bem
estabelecidos. O primeiro requisito para que possa ser considerado um
superendividado é que esteja devendo de boa-fé. Sendo assim, a inadimplência
deve ser proveniente de uma renda inferior ao montante acumulado pelas dívidas.
Acontece
que, para analisar essa insuficiência de renda, há um quesito denominado
“mínimo existencial”. Isso significa que o pagamento das dívidas deve ser feito
sem que a pessoa ou a família tenha prejuízo no sustento e no pagamento das
contas básicas para a sobrevivência.
Mas,
quanto seria o mínimo existencial para cada um? A lei não traz um parâmetro ou
um conceito. Embora existam alguns institutos que dão alguma noção sobre o
tema, não há nada legalmente estabelecido. A Federação Brasileira de Bancos
(Febraban), por exemplo, estipula que o mínimo existencial para uma pessoa que
ganha até dois salários mínimos seria de 60% em cima desse valor, enquanto para
aqueles que ganham cinco salários seria de 50% e quem ganha acima de dez
salários o ideal seria um mínimo existencial de R$ 5.500.
Porém,
por mais que existam essas bases, o ideal seria que a lei trouxesse esse
conceito já padronizado, para que não ficasse nada tão subjetivo, como acontece
agora. Este é um ponto importante que acaba deixando uma lacuna na legislação.
Ele se torna fundamental para que, de fato, possa haver um parcelamento
sustentável das dívidas. Sem essa determinação em lei, o critério dos
julgadores prevalece e cada situação é julgada de uma forma – algo que não é
democraticamente aceitável.
Outro
ponto é a comprovação de renda do inadimplente. Muitas pessoas que têm renda
são trabalhadoras informais. E, então, como seria feito o cálculo para os
indivíduos que não possuem formalidade e uma renda fixa, mas tomam valores?
Todos esses quesitos precisam estar muito bem formulados para que a lei não
tenha brechas e seja realmente eficiente.
É
possível afirmar que os serviços essenciais são os principais vilões dos
negativados. Isso porque não são raras as situações em que as pessoas deixar de
pagar as contas para comprar outros bens de consumo. Por isso, é importante
ressaltar a educação financeira, que precisa ser ampla e rígida. Isso torna os
consumidores conscientes e responsáveis e os traz para a realidade. O mercado
precisa disso para gerar índices que parametrizem as mais diversas áreas da
economia.
Como se
vê, a Lei do Superendividamente veio em boa hora – mas, ainda precisa de alguns
ajustes, para que credores e devedores finalmente se entendam.
*Flávio
Christensen Nobre é Advogado especialista nas relações de consumo e Presidente
da Comissão de Direito do Consumidor da 56ª Subseção da OAB/SP.
Sobre a banca Christensen Nobre Advogados
Christensen Nobre Advogados é uma
banca composta por especialistas em Direito Contencioso e Consultivo, Tribunal
Arbitral, Penal Econômico, Incorporação Imobiliária, Trabalho, Empresarial,
Societário, Tributário e Empresarial.
À frente do escritório está o Dr.
Flávio Christensen Nobre, que há 20 anos atua nessas áreas.
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