João Alfredo Lopes Nyegray e Davi Phelipe Marcelino*


No dia 19 de setembro, o Azerbaijão recomeçou um antigo conflito  no Cáucaso ao atacar o território étnico-armênio de Nagorno-Karabakh. Segundo o ministro de defesa do Azerbaijão, uma missão “antiterrorista” foi iniciada com o objetivo de expulsar as tropas armênias da região e dissolver o governo de origem armênia, permitindo assim a incorporação de facto da região atacada ao território azeri. Entretanto, as autoridades locais reportaram que os militares azeris têm bombardeado não só instalações bélicas, mas também áreas civis, o que causou a morte de pelo menos 32 pessoas, entre elas crianças. Além disso, cerca de 200 ficaram feridos.

No dia seguinte foi assinado um cessar fogo entre o governo da República de Nagorno Karabakh, não reconhecido internacionalmente, e o Azerbaijão. Além disso, foi acordado que as armas seriam entregues à forças armadas do Azerbaijão, e de acordo com o Primeiro Ministro do Azerbaijão, Ali Asadov, o território, até então considerado separatista pelo governo azeri, será “reintegrado” à República do Azerbaijão.

O território de Nagorno-Karabakh já foi palco de muitas disputas entre Armênia e Azerbaijão. Em 1994, após a dissolução da URSS e da independência de ambos os países, ocorreu a Primeira Guerra de Nagorno-Karabakh, que deixou mais de 30 mil mortos e milhares de civis deslocados. Mais recentemente, em 2020, a região foi mais uma vez palco de disputa entre os países, deixando mais de 7 mil mortos, entretanto dessa vez em um conflito rápido marcado pela mediação russa e pela vitória azeri.

No ano seguinte, diferentes choques ocorreram nas regiões fronteiriças dos dois países. Ambos se acusaram mutuamente de iniciar os conflitos que mataram dezenas de soldados azeris e armênios. Já em setembro de 2022, em meio às constantes desavenças, o Azerbaijão invadiu território armênio e atacou alvos militares e civis com a justificativa de que militares armênios estavam implantando minas terrestres em território azeri.

No primeiro semestre de 2023, houve rumores de que o governo da Armênia estaria pronto para reconhecer Nagorno-Karabakh como parte do Azerbaijão se a segurança da população armênia local fosse garantida. Entretanto, nenhum documento oficial foi emitido pelo governo armênio e, no mesmo período, pequenos conflitos entre os soldados dos países recomeçaram.

Atualmente, tensões têm se desenvolvido no corredor de Lachin, que, de acordo com o cessar-fogo de 2020, deveria ser monitorado por forças russas. Entretanto, por conta da guerra na Ucrânia, os militares presentes na região retornaram ao seu país, o que permitiu o avanço de militares azeris , bloqueando o acesso de armênios à Nagorno-Karabakh,  intensificando a tensão entre os países.

Além disso, outros países da região já se posicionaram sobre o tema, aumentando a temperatura das discussões, assim como o risco de uma escalada militar na região. A Turquia, país de origem étnica semelhante ao Azerbaijão, tem nas últimas décadas apoiado o governo de Baku, enquanto o Irã, por motivos econômicos e com o objetivo de manter certa influência no Cáucaso, apoia Yerevan. Em virtude da guerra na Ucrânia, os russos, que tinham uma missão de manutenção de paz na região, retiraram-se para o front da Europa.

Após 2020, ficou claro que a capacidade militar azeri é superior à armênia, portanto, a não ser que Yerevan consiga algum apoio militar por parte do Irã ou da Rússia, o governo armênio terá que aceitar a incorporação do território étnico-histórico de Nagorno-Karabakh ao país rival. Ao entrar no conflito de maneira aberta é possível que haja o avanço de tropas azeris para dentro do território reconhecido pelo Azerbaijão como armênio, principalmente no Sul, na província de Syunik, que separa o Azerbaijão de seu exclave de Nakichevan, que faz fronteira com a Turquia e Irã.

O que temos presenciado é a retomada, no Cáucaso, de um velho conflito. Embora as agressões russas à Ucrânia sejam certamente dignas de todo o nosso repúdio, devemos lembrar que há vários outros conflitos ocorrendo pelo mundo. O conflito em Nagorno-Karabakh já vitimou mais de 50 mil civis e militares no decorrer das últimas décadas. Enquanto todas as atenções do mundo pairam sobre a Ucrânia, a população da armênia segue em agonia e com parca ajuda humanitária.

*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray

*Davi Phelipe Marcelino Farias é aluno do curso de Relações Internacionais e membro do Observatório Global da Universidade Positivo (UP).