No último mês, o ministro do STF Alexandre de Moraes anulou decisão do STJ que reconheceu a ilegalidade de uma prisão preventiva decretada apenas oralmente. Entenda o caso
Oberdan Costa |
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes anulou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconheceu a ilegalidade de uma prisão preventiva decretada somente de forma oral. O caso tem gerado polêmica entre juristas, uma vez que alguns argumentam que a Constituição e o Código de Processo Penal preveem a necessidade de decisão escrita e fundamentada.
O caso ocorreu em outubro deste ano, quando um homem teve a prisão em flagrante convertida em preventiva durante uma audiência de custódia em São Paulo. O juiz decretou a preventiva apenas de forma oral. A defesa se irresignou e o caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O STJ reconheceu a ilegalidade da prisão, pontuando que a prisão preventiva é “excepcional instrumento de restrição da liberdade individual, deve estar permanentemente sob controle judicial, quer seja para determiná-la, quer seja para permitir sua continuidade”.
O ministro Alexandre de Moraes deu provimento a um recurso extraordinário do Ministério Público para validar a prisão preventiva. Ao cassar a decisão da Sexta Turma, o ministro pontuou que “diversamente do pontuado pelo STJ, não há na legislação processual vigente qualquer determinação de que as inquirições e a fundamentação do magistrado quanto à conversão da prisão em flagrante em preventiva, realizada ao final da audiência de custódia, sejam inteiramente reduzidas a termo”.
Moraes assinalou ainda que o acesso às gravações foi integralmente disponibilizado às partes, “respeitando o processo legal, o contraditório e a ampla defesa”.
Argumentos
O advogado criminalista e especialista em direito público Oberdan Costa argumenta que “há, sim, no ordenamento, a exigência de que a prisão que não seja em flagrante só tenha validade se vier por escrito”.
“Na Constituição, a exigência está no art. 5º, ‘LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei’”, pontua Oberdan. Assim, ele reforça que “até a exceção à exigência da palavra escrita está disciplinada na norma”.
Além disso, o advogado afirma que, no Código de Processo Penal, há o art. 283, que reproduz as palavras da Constituição. “A ênfase nessa formalidade é tamanha que, mesmo sendo desnecessária a repetição do que está na Lei maior, o legislador ordinário fez questão de reafirmar, numa espécie de pleonasmo virtuoso, vamos dizer assim.”
Por outro lado, o jurista ressalta que o argumento do ministro Alexandre de Moraes para contornar essa exigência literal também merece consideração. Moraes colocou que, nos tempos tecnológicos atuais, uma vez que a decretação da preventiva foi gravada em vídeo e está disponível para análise das partes, não haveria prejuízo no exercício da defesa, de forma que, sem prejuízo, não haveria a nulidade enxergada pelos Ministros do STJ.
“A forma escrita, segundo essa visão, não seria um fim em si mesmo. Além disso, é levantado pelo Ministério Público Federal que, nos tempos atuais, é preciso fazer uma "interpretação evolutiva" da norma, porque “embora o texto constitucional seja o mesmo (art. 5°, caput, LXI), novas formas de exteriorização da ordem judicial são um dado de realidade incontrastável”, afirma Oberdan Costa.
Para o Ministério Público Federal, portanto, a interpretação condizente com os tempos atuais autoriza a compreensão de que ordem judicial documentada, desde que resguarde os direitos daqueles que são por ela afetados e permita controle judicial, realiza o sentido normativo do art. 5°, caput, LXI, da Constituição Federal. “Entender-se-ia que, daqui em diante, o termo ‘escrito’ deveria ser lido como sinônimo de ‘documentado’”, comenta Oberdan.
Avanços tecnológicos
Oberdan Costa enfatiza que mesmo com os avanços tecnológicos, a exigência da decretação por escrito não deve se tornar obsoleta. “Ela também tem a finalidade de obrigar a um patamar mais elevado de fundamentação, mais detida e elaborada, justamente porque se está a cercear o bem mais caro do cidadão em momento em que este é presumido inocente”, diz.
“Tal visão é amparada por um argumento sistêmico: as alegações finais, última defesa de um acusado na primeira instância e que, via de regra, são orais, pelo art. 403, §3º do Código de Processo Penal, podem ser apresentadas por escrito em 5 dias em caso de complexidade da causa. Ora, vê-se que a lei, além de homenagear o contraditório, também privilegia o esmero das postulações em casos sensíveis; caso não fosse assim, não haveria necessidade de facultar alegações finais escritas, vez que, mesmo orais, seriam proferidas diante do juiz e das partes, em respeito completo ao contraditório."
Por fim, o advogado criminalista entende que “a legislação caminha no sentido não da oralidade, mas sim da formalidade da decretação de prisão preventiva". "Foi o que vimos nas mudanças recentes trazidas pelo Pacote Anticrime, em 2019”, conclui.
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