Dilermando Martins*


Recentemente, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, fez um discurso inflamado acerca da disputa pelo orçamento de 2024, que passou por uma alteração pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Em clara demonstração de contrariedade ao veto do presidente – que rejeitou mais de R$ 5 bilhões das emendas das Comissões das Casas Legislativas – Lira afirmou que o Legislativo não é apenas um carimbador do orçamento, mas que deve funcionar ativamente no processo de elaboração orçamentária no país. E, de certa forma, o parlamentar está correto.

Já Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal, adotou um tom mais moderado em seu pronunciamento, mas acentuou a necessidade de debater o orçamento e evitar gastos desnecessários – depreendendo-se um certo tom crítico aos gastos do Poder Executivo Federal.

Mas, como isso se explica e o que está por trás dessa disputa? É necessário compreender o contexto e os mecanismos existentes na democracia do Brasil. A Constituição brasileira, em seu art. 2.o, prescreve a tripartição dos poderes, por meio de sua independência e harmonia. Isso significa que cada um dos poderes do Estado é autônomo, mas que eles devem, conjuntamente, ser harmônicos, funcionando como uma engrenagem que permite à máquina estatal operar e, sobretudo, prevenir a concentração e o abuso de poder, seja pelo Legislativo, Executivo ou Judiciário. Tal prescrição não é novidade e remonta à Revolução Francesa, quando se tentava impedir os abusos cometidos pela monarquia absolutista.

Nessa ideia de contenção do poder pelo poder é que surge a teoria dos freios e contrapesos, pela qual, a todo o momento, um poder exerce controle sobre o outro, evitando que haja abuso do poder do Estado por meio de seus órgãos institucionais. São vários os exemplos maculados pela Constituição Federal brasileira, como a necessidade de autorização do Congresso Nacional para que o presidente da República se ausente do país por mais de 15 dias; o poder conferido ao Chefe do Executivo Federal de nomear membros do Judiciário; ou a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar membros de outros poderes, dependendo do tipo de crime cometido.

Um dos mecanismos de controle do poder pelo poder é o veto presidencial sobre as propostas orçamentárias elaboradas pelas Casas Legislativas. Não se trata, necessariamente, de uma afronta, mas, sim, de uma prerrogativa endossada pelo texto constitucional que visa ao equilíbrio entre os poderes. O exercício do veto faz parte do jogo político, assim como sua eventual derrubada pelo Legislativo. Esse processo é saudável para a democracia, desde que se respeite a Constituição e os mecanismos por ela estabelecidos. 

A grande celeuma atualmente é: como resolver tais impasses? Existe uma saída para a possível crise entre os poderes Executivo e Legislativo? A resposta para essa questão está no diálogo institucional. É fundamental que o Executivo e Legislativo busquem o diálogo e encontrem um caminho que seja satisfatório a ambos e, sobretudo, que respeite a democracia e o interesse popular. Não se trata de demagogia ou de falsa esperança, mas, sim, de confiar na visão dos constituintes que, em 1988, buscavam promover uma democracia robusta. A Constituição foi elaborada com o propósito de fomentar o diálogo e o consenso.

O povo é o verdadeiro soberano, e seus representantes são meros intermediários. Aqui, o foco não deve ser atender a interesses individuais. É preciso apostar no diálogo e fortalecer as relações institucionais para garantir o bom funcionamento do Estado, priorizar os interesses da população e alcançar resultados benéficos. É somente por meio dessa abordagem que o Brasil terá condições de crescer e avançar em direção ao desenvolvimento tão aguardado pelos cidadãos. Aguardemos as próximas cenas e o deslinde que virá.

*Dilermando Martins, mestre em Ciências Sociais, doutorando em Direito pela UFPR. É professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).